quinta-feira, 4 de março de 2010

LEX ORA LEX



"Salus populi suprema lex est"




Seja a salvação do povo a lei suprema
«O país perdeu a inteligência e a consciência moral. Os costumes estão dissolvidos, as consciências em debandada, o caráter corrompido. A prática da vida tem por única direcção a conveniência. Não há princípio que não seja desmentido. Não há instituição que não seja escarnecida. Ninguém se respeita. Não há nenhuma solidariedade entre os cidadãos. Ninguém crê na honestidade dos homens públicos. Alguns agiotas felizes exploram. A classe média abate-se progressivamente na imbecilidade e na inércia. O povo está na miséria. Os serviços públicos são abandonados a uma rotina dormente. O desprezo pelas ideias aumenta em cada dia. Vivemos todos ao acaso. Perfeita, absoluta indiferença de cima a baixo!
O leitor que leu a abertura poderá pensar que estamos citando um texto dos nossos dias. Mas o que acaba de ler é a transcrição do início do primeiro livro das Farpas, escrito por Eça de Queiroz e Ramalho Ortigão e dado a público no dia 17 de Junho de 1871.
É verdade que alguns aspectos da história se repetem. O que é natural dadas as inúmeras heranças e permanências que atravessam a história dos povos. Mas como escreveu Marx, a história repete-se primeiro como tragédia e logo a seguir como farsa.
A tragédia e a farsa são dois géneros teatrais distintos que, na sua diversidade, transformam a dialéctica da história num processo original e, ao mesmo tempo, repetitivo. Os últimos dois anos da nossa vida política estão aí para mostrar como os impasses  podem nos balançar entre estes dois generos. Ora nos damos conta da tragédia nacional, ora da farsa que a alimenta dizendo querer resolvê-la. E ficamos paralisados perante este espetáculo. Cabe então mudar de FILME E DE ATORES e de perceber a quem serve esta aparente paralisação da sociedade.
A crise não vai acabar enquanto não se resolver a questão ética. Vivemos, na verdade, uma crise dos desavergonhados, que não respeitam mais o outro, que fazem as coisas descaradamente e sem pudor.  Fazem qualquer coisa para ganhar cada vez mais, a qualquer preço, nem que para isso seja preciso mentir, forjar dados, derrubar quem estiver no meio do caminho.
O mundo caminha para uma tremenda inversão de valores morais. Ser honesto parece coisa de idiota, de “mané”.  Se você não aproveitar a situação é chamado de otário. Ruy Barbosa, certa vez, lamentava-se:  ”De tanto ver triunfar as nulidades, de tanto ver prosperar a desonra, de tanto ver crescer a injustiça, de tanto ver agigantarem-se os poderes nas mãos dos maus, o homem chega a desanimar da virtude, a rir-se da honra, a ter vergonha de ser honesto”. Isto em meados de 1915. Nada mais atual.

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